08/03/2024 - Jesika Mayara
Na corrida contra o relógio para enfrentar uma epidemia, grave e mortal, a biomédica piauiense Lair Guerra chegou a suspender o hábito de almoçar. Rodeava-se de frutas, sanduíches e sucos. Seu objetivo: ganhar tempo. Era período de decisões urgentes e em larga escala contra o vírus HIV, que assustava todo o planeta.
Para conter o vírus, em 1986, o Ministério da Saúde criou o Programa Nacional de DST/Aids e convidou a piauiense, doutora em microbiologia e infectologista, Lair Guerra Macedo Rodrigues, na época com 43 anos, para coordenar as ações contra a doença no Brasil. Iria começar quase do zero, uma responsabilidade monumental.
Quem é Lair Guerra
Nascida em 28 de março de 1943 no povoado Gety, antes pertencente ao município de Parnaguá, hoje Curimatá (a 775 km de Teresina), Lair Guerra, graduou-se na Universidade Federal de Pernambuco. Casou-se em 1962.
Em 1977 começou a lecionar Microbiologia na Universidade Federal do Piauí (UFPI) e a administrar o laboratório da universidade. Ela também foi professora da UnB (Universidade de Brasília). A piauiense fez pós-graduação no Centro de Controle de Doenças (CDC) e em Harvard, nos Estados Unidos.
Ao obter bolsa da Organização Pan-americana de Saúde foi morar em Atlanta, na Geórgia (EUA), com a família. Na cidade americana atuou como pesquisadora visitante na área de doenças sexualmente transmissíveis no Center for Disease Control (Centro de Controle de Doenças). Paralelamente, cursou o mestrado em Microbiologia na Georgia State University, enquanto acompanhava as primeiras pesquisas sobre o vírus HIV.
Ao retornar ao Brasil dirigiu o Programa de Saúde Materno-Infantil do Ministério da Saúde. Devido à sua experiência, foi nomeada para coordenar o programa brasileiro de controle DST/Aids, que virou um exemplo para todo o mundo.
Incansável, Lair Guerra, enfrentou a burocracia, falta de recursos e o preconceito. De barco, carro ou avião, ela percorreu o Brasil e o exterior intensificando campanhas de esclarecimento e popularizando palavras como “preservativo” e “combate ao HIV”.
Mobilizou o país para as fiscalizações dos bancos de sangues e se aliou às organizações não-governamentais para adotar políticas públicas de enfretamento à doença e pelo direito dos portadores. Uniu ciência às questões sociais.
A persistência de Lair Guerra também foi fundamental para a universalização dos medicamentos retrovirais, o popular coquetel, contra a aids, contando com apoio de ONGs. Com isso, os pacientes passaram a receber de forma gratuita os medicamentos.
Pioneira no que fez
Lair estabeleceu ainda centros de referência para o tratamento de pacientes, incentivou a criação e manutenção de organizações não-governamentais e representou o Brasil em reuniões da Assembleia Mundial de Saúde, em Genebra. Comandou o programa por 10 anos.
Aliando estratégias de comunicação e conhecimento cientifico, Lair Guerra, conseguiu mobilizar o país e reduziu os casos em uma devastadora epidemia que em 2005 tinha mais de 360 mil casos notificados de Aids.
Em agosto de 1996, o destino pregou mais uma peça: quando estava a caminho de um congresso brasileiro de infectologia, e iria dar uma palestra, o táxi que levava a piauiense teve uma colisão com um ônibus. No acidente, ela teve traumatismo e passou dois meses entre a vida e a morte. Recuperou-se lentamente, mas não pôde reassumir as suas funções devido às sequelas.
Mãe de cinco filhos, Lair Guerra é irmã de Carlyle Guerra de Macedo, ex-diretor e Diretor Emérito da Organização Pan-Americana de Saúde e de Alvimar, clínico de Brasília. Ela também é irmã da médica e ex-prefeita de Curimatá, Estelita Guerra, que morreu em acidente de trânsito em 2012. Lair tem 11 irmãos, cinco deles vivos.
Prêmio Nobel
Em reconhecimento ao trabalho de Lair Guerra, a Assembleia Geral da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, reunida durante o seu XL Congresso em Aracaju, indicou o seu nome para o Prêmio Nobel da Paz em 9 de março de 2004.
Símbolo de luta pelos direitos da pessoa com HIV, a biomédica tem reconhecimento nacional e internacional.
Desde o acidente, Lair Guerra vive em cadeira de rodas e tenta se recuperar das sequelas do acidente. Desde janeiro desse ano, ela está internada na UTI de um hospital de Brasília, após diagnóstico de pneumonia.
Hoje, aos 80 anos, ela é uma guerreira da paz, uma mente brilhante e que inspira muitos piauienses.
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