21/08/2017 - Jesika Mayara
Junho, julho, agosto, são meses de produção de um dos bens agrícolas mais preciosos na pequena Santana do Piauí, a Goma e Farinha de Mandioca. Também intituladas de “ouro branco”, a goma está presente em grande parte das refeições sertanejas, seja na massa da tapioca, o popular “beiju”, ou mesmo naquele bolo doce ou salgado que tanto aguça o paladar. Já a farinha no preparo daquela paçoca. São infinitas as combinações que utilizam destes alimentos.
O sabor in natura não é dos mais marcantes. Na boca derrete e se torna uma espécie de leite, mas combinado com outros ingredientes é um recurso indispensável, apreciado pelos grandes chefes de cozinha ao redor do mundo.
E a produção? Ah esta é uma pergunta que o santanense responde de olhos fechados. A matriz da Goma e da Farinha está entranhada na terra, presa as raízes da mandioca. Quando arrancadas do solo pelos agentes conhecidos por “arrancadores de mandioca” são colocadas em jacás, sendo transportadas em jumentos e/ou cavalos [maneira mais rudimentar]. Nos tempos atuais, o transporte de milhares de quilos da mandioca é feito em carros.
Raimundo Rodrigues vive esta experiência de arrancar mandioca desde a infância. Uma atividade que ele explica ter início às 3h da madrugada quando se dirigem às chapadas para retirar as raízes.
“Começamos a escavar quando tudo ainda está no escuro. Cavamos ao redor do pé de mandioca, depois de descoberta as raízes puxamos e saímos juntando os montes de mandioca. O trabalho mais pesado é mesmo carregar o carro”, disse o arrancador.
Depois de transportada, a carga de mandioca chega a Casa de Farinha ou Aviamento. Lá já estão as cinco mulheres denominadas de “raspadeiras” que de posse da faca e trajadas do seu avental aguardam o descarrego da mandioca. As vezes a “ruma” de mandioca parece tocar o telhado. No entanto ao final do dia ela tem desaparecido.
Agora a produção começa de fato. Raspa-se a mandioca e o branco da raiz aparece. Depois de retirada a casca, a mandioca é moída no motor, onde forma-se um líquido grosso de massa. Novamente as raspadeiras surgem para lavar a massa, separar o sólido [que se tornará farinha] do líquido [goma]. Num processo artesanal, a massa é misturada a água e colocada dentro de redes. Nesta etapa o líquido grosso, depois de mexer de um lado para o outro se torna um bolo de massa que será prensada.
A próxima figura da Casa de Farinha é o Prenseiro. Lembra do bolo de massa? Este é pego pelo prenseiro, passado na prensa em que as últimas gotas do soro são retiradas. Depois de bem seca, a massa é peneirada. Pronto! A farinha de mandioca será aquecida no forno.
No estágio do cozimento da farinha, aparece o Forneiro. José Moura desempenha esta função há décadas, por conta disso já perdeu a conta da quantidade de anos em que é forneiro. Mas disse ser um trabalho que ele aguarda o ano todo.
“É um pouco difícil porque a gente fica muito exposto a quentura do forno, espalhando a farinha de um lado para o outro. Se perder o ponto do cozimento ela pode queimar e perdeu-se toda a fornada”, disse o José Moura.
E o ouro branco? A goma da mandioca? Denomina-se de ouro pelo valor financeiro atribuído a ela se comparado com outros produtos agrícolas, em que atualmente a quarta de goma custa R$ 450,00. O branco é porque chega realmente a embaçar os olhos de tanta brancura. Ela forma-se ainda na lavagem da massa.
O líquido [goma] depois de separado é depositado em gamelas, depósitos de madeira. Uma pasta branca, viscosa, vai se formando no fundo do depósito, enquanto na parte superior está o líquido [mampueira]. Ao final do dia, as cinco mulheres derramam a mampueira, e quebram a pasta que está dura e lavam novamente. O líquido branquinho (leite da mandioca) é depositado dentro de cisternas. O leite depois se transforma em sólido e é levado para ficar exposto ao sol. Vários blocos do ouro-branco é formado.
O OURO BRANCO SANTANENSE TEM RAÍZES DISTANTES
Devido ao período de estiagem, o cultivo de mandioca foi praticamente extinto em Santana do Piauí. A saída encontrada pelos agricultores foi importar as raízes de mandioca de outra região, do município de Marcolândia, distante 117 quilômetros.
A distância não é barreira como aponta o proprietário de uma Casa de Farinha, Francisco Rocha, mais conhecido por Chico de Maria Rocha. Ele explica que desde 2012 importa mandioca de Marcolândia e que apesar dos custos, no final a renda da produção de farinha e goma é satisfatória.
“Não é tão rentável, mas dá pra tirar um pouco no final de tudo e aumentar um pouco a renda da gente. Sou aposentado, mas é preciso complementar e a casa de farinha vem complementando. Tem carrada que a mandioca é mais fraca e a produção é menor. Mas em outras a produção é muito boa. Quando não der produção a gente para, porque não temos recurso para manter se não der lucro”, disse o proprietário da Casa de Farinha.
Chico de Maria Rocha explicou que o preço da carga de mandioca é avaliado por tonelada que custa R$ 530,00. Além disso, ainda há o transporte da mandioca de Marcolândia à Santana do Piauí que é de R$ 550,00. Segundo ele, diante das despesas o preço final da goma e da farinha na feira acaba sendo baixo. As despesas ainda são somadas ao trabalho das raspadeiras, arrancadores de mandioca, prenseiro e forneiro.
“Pra despesa que temos está baixo. Para o consumidor está caro, mas pra gente que está produzindo quase não cobre os gastos”, frisou.
O secretário de Agricultura de Santana do Piauí, Francisco de Moura Sobrinho, o Netinho, destacou que a Casa de Farinha é uma forma de movimentar a economia santanense, onde mais de 12 pessoas são empregadas.
“Como nos últimos cinco anos a nossa mandioca na serra foi praticamente dizimada pela estiagem, os produtores aderiram trazer a mandioca de fora. Eu acho muito importante, pois os produtores além de está trabalhando para que vá melhorando a condição de sua família também está gerando emprego e renda para outros santanenses”, disse o secretário.
ASCOM