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Matéria / Geral

Relacionamento abusivo pode levar a feminicídio

Abuso nem sempre vêm com violência física e verbal claras, a violência geralmente é psicológica e silenciosa

01/11/2017 - Jesika Mayara

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08889fa0b39ca092f6629e016a37.jpg Amigos e familiares prestam homenagem em memória a Iarla Lima, assassinada pelo namorado em junho (Foto: Andrê Nascimento)
08889fa0b39ca092f6629e016a37.jpg Amigos e familiares prestam homenagem em memória a Iarla Lima, assassinada pelo namorado em junho (Foto: Andrê Nascimento)

Os relacionamentos abusivos são mais comuns do que as pessoas imaginam. Muitos dos que vivem em uma relação assim nem mesmo sabem ou conseguem perceber que estão sendo controlados. O problema é um perigo principalmente para as mulheres, que são as que mais sofrem com o controle dos parceiros, pois geralmente são acompanhados por ameaças, que podem evoluir para violências físicas e até à morte, configurando-se crime de feminicídio. 

O alerta vem de profissionais da área policial, psicológica e até jurídica. Os relacionamentos abusivos nem sempre vêm com violência física e verbal tão perceptíveis, a violência geralmente é psicológica e silenciosa. O controle dos lugares que podem ser frequentados, das pessoas com quem se pode andar, das atividades que se pode realizar e do domínio pessoal sob ameaça de término da relação são exemplos de comportamentos que indicam estar dentro de um relacionamento abusivo, como explica a psicóloga Denisdéia Sotero. 

“Muitas mulheres só acham que estão em um relacionamento abusivo quando são ameaçadas ou sofrem opressão física. Mas não é assim. Não existe uma etapa específica. A partir do momento que o homem usa uma tonalidade de voz que indique um controle ou que age como se fosse dono da mulher, ou ainda que fique olhando as redes sociais, invadindo a privacidade da companheira, ali já se configura um relacionamento abusivo com predisposição para um relacionamento com violência”, esclarece a psicóloga. 

Dados 

De acordo com os dados divulgados na última segunda (30) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ano passado, uma mulher foi assassinada a cada duas horas no Brasil, totalizando 4.657 mortes. Mas apenas 533 casos foram classificados como feminícidio, mesmo após a lei de 2015 obrigar tal registro para as mortes de mulheres dentro de suas casas, com violência doméstica e por motivação de gênero. 

Segundo Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum, o Piauí registrou 58% das mortes de mulheres como feminicídio. Em 2015, tiveram 67 ocorrências de crime de feminicídio no Estado. Embora em 2016, este tipo de crime tenha reduzido em 19,4% e chegado às 54 ocorrências no Estado, este ainda é um dado considerado preocupante, se levar em conta as sub-notificações.

Mulheres não são culpadas por se calarem

A advogada conselheira da OAB-PI, Ana Carolina Fortes, que também é membro da Comissão da Diversidade Sexual da entidade, alerta para importância de não culpar a mulher por não denunciar a violência cometida contra ela. Para a advogada, as proporções de medo e constrangimento são maiores do que as pessoas imaginam. 

“Acho muito importante que as mulheres não sejam culpadas por não denunciarem. Existe um estigma muito forte de que se a mulher não falou nada, signifique que ela concorde com isso. Mas, na verdade, ela está tão fragilizada naquele sistema de opressão que é muito difícil para ela denunciar. A gente não pode exigir isso da mulher, por isso que quando outra pessoa presenciar esse tipo de opressão, elas podem registrar ocorrência”, argumenta. 

A advogada destaca que a violência influi na reputação da mulher, que acaba ficando muito exposta, além do medo de perder o companheiro com quem dividia a vida, as despesas, o pai dos seus filhos. Para Ana Carolina, o que ela precisa é de apoio. 

Como lidar quando percebe um relacionamento abusivo?

O relacionamento abusivo, quando não é identificado pela própria parceira, pode ser percebido pelos amigos ou familiares. Nesses últimos casos, a psicóloga Denisdéia Sotero orienta que haja uma conversa com a pessoa a fim de alertá-la quanto ao problema. 

“A partir do momento que alguém de fora começa a observar o abuso, a conduta deve ser orientar e conversar com a vítima, se ela não aceitar, deve ser indicado que busque uma psicoterapia para trabalhar essa questão da negação do abuso, quando o sentimento fala mais alto que a razão”, recomenda. 

 A especialista alerta que, a partir do momento em que o relacionamento abusivo é identificado, só há dois caminhos para lidar com o problema: romper a relação ou, em certos casos, fazer terapia a dois.

Amigos e familiares podem denunciar casos

A delegada do Núcleo de Feminicídio do Piauí, Ana Melka Cadena, alerta que ameaças dentro dos relacionamentos não podem ser banalizadas e qualquer ação que represente uma dominação, disfarçada de cuidado excessivo, deve ser levada em consideração. A denúncia dessas ameaças é muito importante e a delegada incentiva que, quando a vítima tem medo de denunciar, seus amigos e familiares denunciem. 

“É importante que seja denunciado, porque uma autuação policial ou mesmo de Centros de Referências, CAS, vai impedir que haja uma evolução do controle no relacionamento abusivo. E nem precisa que a gente espere que quem está sofrendo a violência denuncie, os amigos e familiares também podem denunciar, pelo 180, sem que seja identificado”, ressalta. 

Ana Melka enfatiza ainda que, com a denúncia, o agressor é penalizado, afastado e responde a um inquérito policial. Dessa forma, a vítima é tirada da situação de opressão. Segundo ela, os casos de feminicídios no Estado são, em sua maioria, de situações onde não houve de forma nenhuma a inserção de órgãos de policiamento, ou seja, sem denúncias prévias de que estava sofrendo opressão. 

“O homem pode ser preso preventivamente, além de, ao final do processo, a sentença poder ser como uma pena alternativa, de prestação de serviço e ocorrer o afastamento do lar e da vítima. Sei que existe o discurso do medo de que depois que ele saia, possa ser pior. Mas o que vemos, na prática, é que o pior é não denunciar, porque a impunidade é que motiva o agressor a continuar”, declara.

 

Fonte: Portal O Dia

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