01/02/2018 - Jesika Mayara
A paralisia cerebral rouba de Márcia o controle dos movimentos das mãos. A falta de coordenação motora torna muito difícil escrever e lidar com desenhos e costuras, que fazem parte da rotina no Curso de Moda, Design e Estilismo na UFPI, do qual Márcia é aluna do 2º período. "Quando eu passei, nem acreditei. Fiquei muito feliz!", conta a jovem, que já é formada em técnico em Administração, por gosto exclusivo da mãe, já que Moda sempre foi seu sonho. A estudante relata a necessidade de improviso para realizar alguns trabalhos que exigem coordenação motora. " Se não desenho, consigo moldar os tecidos no papel. Nesse trabalho (foto), tirei nota máxima!", orgulha-se. Com os olhos marejados, fala com carinho dos colegas de turma. Diz que são muito companheiros e que fazem de tudo para ela se sentir incluída: "Sinto que estou no lugar certo e com as pessoas certas!".
Leandro e os colegas, que compõem a 90ª turma de Medicina na UFPI - Foto: Arquivo Pessoal
Leandro é outro exemplo de perseverança. Estudante do 2º semestre de Medicina da UFPI em Teresina, o jovem assiste às aulas teóricas numa maca e às aulas práticas na cadeira de rodas. Leandro perdeu os movimentos das pernas após um acidente com arma de fogo; e as escaras, provocadas por ficar muito tempo na mesma posição, o obrigam a variar entre estar sentado e deitado. "O que me motivou a querer ser médico é essa vontade de ajudar sempre os outros. Pretendo ser um profissional generoso. Procurar não só tratar a doença em si, mas procurar entender como anda o paciente no meio social em que está inserido", conta Leandro Sousa, de 21 anos.
Ao longo de 2017, a Universidade recebeu, em todos os campi, 246 estudantes com deficiência. Foram 160 alunos matriculados só no Campus de Teresina. É que passou a valer, desde o segundo semestre do ano passado, a Lei 13.409/2016, que mudou a legislação sobre cotas nas universidades e acrescentou pessoas com deficiência no grupo de estudantes com direito à disputa de vagas reservadas, que já contemplava alunos de escola pública; de baixa renda; e negros, pardos ou indígenas. Os casos mais comuns de deficiência entre alunos matriculados na UFPI são cegueira ou baixa visão, seguidos de deficiência auditiva e, em terceiro, deficiência física.
Para 2018, estão sendo oferecidas, no Ensino Superior, 506 vagas para estudantes com deficiência para ingresso como cotistas em 78 cursos de graduação da Universidade via SISU. No Ensino Técnico, são disponilizadas um total de 130 vagas nos colégios de Bom Jesus, Floriano e Teresina para os cursos técnicos em agropecuária, enfermagem e informática,com ingresso via processo sesletivo. A quantidade de vagas atende proporcionalidade desse segmento na população piauiense, apontada pelo último censo do IBGE, como 27,57% para pessoas com algum grau de deficiência. A meta é levar inclusão a alunos com diferentes quadros de deficiência, considerando as singularidades daqueles que compõem o público-alvo da educação especial: pessoas com altas habilidades/superdotação, pessoas com transtorno do espectro autista; e pessoas com deficiências física, auditiva e/ou visual.
" O ingresso de alunos com deficiência é um ganho para todos. Além do próprio estudante, que passa a exercitar esse direito, ganham os professores, que repensam suas práticas em sala de aula e ganham os colegas, que desfrutam da convivência com o aluno deficiente, com oportunidade de desenvolver empatia", avalia o Professor Sinimbu Neto, Superintendente de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico da UFPI.
Desde 2005, a Universidade oferece vagas a esse público por meio de editais do Programa de Acessibilidade na Educação Superior (INCLUIR), do MEC. De lá pra cá, a Instituição participou de vários projetos para integrar os estudantes e formou alunos com deficiência em, pelo menos, 16 cursos entre 2009 e 2017. Para o Pró-Reitor de Ensino de Graduação, Nelson Juliano, à medida que a UFPI se transforma para melhor acolher a esse público, mais se aproxima do que sociedade espera da Instituição.
Professor Nelson Juliano, Pró-Reitor de Ensino de Graduação - Foto: Danielle Maciel/UFPI
“Agora, com as cotas, temos um contingente relevante de pessoas com deficiência, que, necessariamente, estarão ocupando essas vagas reservadas. Isso tem exigido um olhar diferenciado por parte da UFPI desde o atendimento especial já no acolhimento a esse aluno, no ato da matrícula institucional, que será realizada com prioridade e em ambiente acessível; passando por mudanças mais amplas nos espaços da universidade, que incluem, entre outras providências, instalação de mais rampas e de placas em braille, para facilitar aos cegos a localização nos campi. E a convivência com essa pluralidade resulta em aprendizado geral para todos”, avalia.
Para dar condições de permanência e conclusão do curso a esses alunos na UFPI, foi criado em 2014 o Núcleo de Acessibilidade (NAU), ligado à Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis e Comunitários (PRAEC). A equipe é formada por assistente social, psicóloga e pedagoga, além de bolsistas das áreas de pedagogia, jornalismo e serviço social. A PRAEC está envolvida com o acolhimento do aluno com deficiência a partir do momento da seleção pela Pró-Reitoria de Ensino de Graduação (PREG). No ato da inscrição do SISU, o estudante cadastra o tipo de deficiência e anexa a documentação necessária para comprovação. O NAU analisa todos os documentos para saber se o candidato tem direito a concorrer pelas cotas. Por lei, as vagas reservadas para pessoas com deficiência englobam quadros de deficiência física, sensorial (visual e auditiva), intelectual e de transtorno do espectro do autismo (TEA).
“ Só pra se ter uma ideia, chegam muitas inscrições de alunos tentando disputar as cotas por questão de dislexia, porque alguns pessoas tinham entendido que o transtorno entrava como deficiência. E dislexia não dá direito às cotas”, explica Josie Haydee, Coordenadora de Assistência Comunitária da PRAEC. Também é decisivo para ter direito a ocupar as cotas o grau de comprometimento relacionado à deficiência. “Às vezes, a pessoa tem uma deficiência física muito leve e que não compromete em nada a vida estudantil. Nesse caso, também não pode disputar vaga pelas cotas.”, complementa. Josie aproveitou para explicar ainda que estudantes com dislexia podem solicitar à PRAEC tempo adicional para responder as provas, esse sim é o benefício a que têm direito.
A partir do ingresso desse aluno, o NAU estabelece contato individualizado para conhecer as demandas necessárias para integrar o estudante aos ambientes da vida universitária e oferecer acompanhamento pedagógico, social e psicológico. “ Um papel muito importante do NAU é garantir acessibilidade. Por exemplo, um aluno com deficiência física e que não pode ficar sentado numa cadeira normal, na entrevista inicial com o NAU, já informa essa demanda e o Núcleo fará a interlocução com outros setores da UFPI para viabilizar o que o estudante precisa, uma carteira especial ou um colega de classe que o auxilie e o acompanhe, por exemplo. Há, inclusive, bolsas que o colega auxiliar pode receber da PRAEC a partir da indicação do próprio estudante com deficiência”, detalha Josie Haydee.
Uma das lupas que compõem kit entregue a estudantes com baixa visão na UFPI - Foto: Airton Lima/UFPI
Outro trabalho desempenhado pelo NAU é a adaptação do material didático para atender os alunos. Para estudantes com baixa visão, por exemplo, a PRAEC disponibiliza um kit com 7 lupas, para auxiliar no processo de leitura; e também a impressão do material em alto relevo para que estudante tenha uma melhor percepção do conteúdo. Há também a impressão em braille para alunos com deficiência visual completa. O NAU ainda estabelece contato e prepara os coordenadores dos cursos e docentes para receber o aluno com deficiência.
ASCOM UFPI