04/01/2016 - Jesika Mayara
As relações entre Arábia Saudita e o Irã passam por sua pior fase em quase 30 anos. A tensão foi acirrada nos últimos dias pela execução do clérigo saudita Nimr al-Nimr, pelo subsequente incêndio da embaixada saudita em Teerã e pela expulsão de diplomatas iranianos em Riad.
A disputa entre iranianos e sauditas por influência política e religiosa tem implicações geopolíticas que se estendem muito além do Golfo Pérsico. E engloba quase todos os conflitos de grandes proporções do Oriente Médio.
O mais importante talvez seja que essa crise exerça influência negativa em negociações diplomáticas nos conflitos em curso na Síria e no Iêmen, justo quando essas negociações pareciam a ponto de trazer resultados.
Anos de turbulência
O impasse atual é tão perigoso quanto seu predecessor, que se desenrolou em 1980 e começou com a suspensão das relações diplomáticas entre 1988 e 1991.
Isso ocorreu no final de uma década turbulenta, após a Revolução Iraniana de 1979 e a guerra entre Irã e Iraque, entre 1980 e 1988.
A Arábia Saudita e Estados do Conselho de Cooperação do Golfo apoiaram Saddam Hussein durante a guerra e sofreram ataques iranianos a seus navios. Em 1984, a Força Aérea saudita derrubou um caça iraniano que teria entrado em seu espaço aéreo.
A tensão entre Arábia Saudita e Irã escalou com execução de clégico xiita (Foto: AP Photo/Vahid Salemi)
Governos da Arábia Saudita e de outros países do Golfo ligaram o governo pós-revolucionário do Irã a um aumento da militância xiita, a uma tentativa de golpe de Estado no Bahrein em 1981 e a uma tentativa frustrada de assassinar o emir do Kuwait quatro anos atrás.
Enquanto isso, um grupo militante apoiado pelo Irã, chamado Hezbollah al-Hejaz, foi formado em 1987 como uma organização clerical semelhante ao Hezbollah libanês - com a intenção de realizar operações militares dentro da Arábia Saudita.
O Hezbollah al-Hejaz divulgou uma grande quantidade de declarações inflamadas ameaçando a família real saudita e realizou diversos ataques no final dos anos 1980, quando tensões entre o Irã e a Arábia Saudita escalaram.
Desconfiança profunda
Embora a crise corrente não tenha tido até agora episódios de conflito direto, as tensões são tão perigosas como as dos anos 1980, por algumas razões.
A primeira é o legado de anos de política sectária que fez tanto para dividir o Oriente Médio entre xiitas e sunitas e alimentar uma atmosfera de grande desconfiança entre o Irã (de maioria xiita) e seus vizinhos ao longo do Golfo (de maioria sunita).
Em uma atmosfera de tanta pressão, os moderados se enfraqueceram e agora defendem abordagens mais linha-dura em assuntos regionais.
Os Estados do Golfo também seguiram políticas externas cada vez mais assertivas nos últimos quatro anos, em parte como resposta ao que entendem como uma "intromissão" perene do Irã em conflitos regionais - e por causa do crescente ceticismo quanto às intenções da administração Obama no Oriente Médio.
Para muitos no Golfo, a principal ameaça vinda do Irã não é seu programa nuclear, mas o seu apoio a grupos militantes não-governamentais, como o Hezbollah e, mais recentemente, os rebeldes xiitas Houthi no Iêmen.
Sentença de morte
Finalmente, o colapso das relações diplomáticas entre a Arábia Saudita e o Irã provavelmente soa como uma sentença de morte, pelo menos atualmente, aos esforços regionais para acabar com as guerras no Iêmen e na Síria.
Um anúncio de que um frágil cessar-fogo temporário no Iêmen entrou em colapso no dia 15 de dezembro passou despercebido em meio ao furor gerado pela execução de Nimr al-Nimr.
Nem o cessar-fogo nem as negociações da ONU iniciadas simultaneamente fizeram muitos progressos. Os debates promovidos pelas Nações Unidas deveriam recomeçar em 14 de janeiro – o que é improvável se o Irã e a coalizão liderada pelos sauditas intensificarem seu envolvimento no Iêmen.
Um resultado semelhante pode ocorrer nas negociações de paz na Síria marcadas para começar no final de janeiro em Genebra. Semanas de paciente diplomacia sigilosa podem dar em nada se os atores externos mais influentes no conflito se distanciam.
*Kristian Coates Ulrichsen é pesquisador de Oriente Médio na Universidade Rice, nos Estados Unidos e pesquisador associado do Programa de Oriente Médio e África do centro de estudos Chatham House.
Fonte: G1